A obra de Ricardo Alcaide deriva de uma percepção aguda e intuitiva das dinâmicas sócio-espaciais das diferentes cidades por onde passou. Nascido em Caracas, viveu por mais de uma década em Londres, e atualmente reside em São Paulo. Todos estes distintos contextos urbanos e sociais proporcionaram-lhe um rico léxico que tem continuamente informando a sua prática artística ao longo dos anos.
Apesar de elaborar as obras no estúdio, a maior parte do trabalho faz alusão à sua própria experiência da cidade. Isto pode ocorrer de forma imperceptível, nomeadamente quando o artista explora composições abstratas em desenho ou pintura; nitidamente quando fotografa a paisagem urbana, os seus desconhecidos e a sua arquitetura oficial e não oficial; ou ainda mais notoriamente quando seleciona e recolhe materiais abandonados das ruas. Embora os critérios possam ser variáveis, o traço comum subjacente a todas estas escolhas é o olhar criterioso e o instinto do artista que priorizam os elementos em que ele pressente uma segunda ontologia oculta aliada a um potencial escultórico, pictórico e/ou arquitetônico.
Embora o trabalho de Alcaide usualmente comece de uma conexão direta com a experiência da cidade, as obras resultantes se afastam de uma compreensão pré-definida, sobretudo porque o artista habitualmente retrabalha as suas qualidades formais até o limite da abstração. Com esta manobra, ele simultaneamente amplia a gama de interpretações possíveis e cria uma sensação de déjà vu que nos remete ao vocabulário corporal e à experiência visual que herdamos das ruas. Contudo, o seu trabalho não duplica essa experiência, ao invés disso narra a história marginal de uma “cidade paralela” que, paradoxalmente, resulta do detrito e do consumo da metrópole “oficial” e hegemônica.
Ao longo de sua carreira, o artista tem frequentemente usado uma estética modernista, tirando partido da capacidade desta de criar cenários atemporais e ideologicamente carregados, usando edifícios modernistas como fundos ou estruturas nas quais justapõe formas instáveis ou elementos que aludam à improvisação e à precariedade da vida quotidiana. A sua principal intenção vai além de reafirmar o “fracasso do modernismo” ou a modernidade por-cumprir na América Latina, ao invés disso esta operação aponta para um questionamento mais aprofundado da relação entre a hierarquia social e o uso ideológico da arquitetura e urbanismo. Gerando tensões entre as noções idealizadas do espaço e a realidade de sua manifestação física e sua apropriação quotidiana.
Este interesse na coabitação desses domínios aparentemente antagônicos está no cerne da prática de Alcaide, juntamente com um fascínio por sujeitos marginalizados e expulsos de uma sociedade que permanentemente descarta seu lixo e história, criando uma cultura na qual qualquer coisa que pareça ser velha, precária, obsoleta ou fora-de-lugar, é simplesmente ignorada ou rejeitada. O interesse profundo em ambientes construídos e nos resíduos que gravitam em torno destes, pode ser entendido como uma maneira própria do artista de dar forma a uma pesquisa quase antropológica sobre uma humanidade periférica dentro da cidade, incidindo em todas as suas manifestações que, apesar de serem resultados de uma profunda exclusão econômica, social e espacial, ainda conseguem fazer a paisagem urbana e nela interferir.
Bruno de Almeida | 2016.01.07

Untitled with elements nº30, 2014_Técnica mista_24 x 32 cm_(Universidad Central de Venezuela (UCV) de Carlos Raul Villanueva)

Intrusion nº28, 2014_Pintura acrílica em impressão a jato de tinta_120 x 80 cm_(Palácio da Alvorada de Oscar Niemeyer)

(da esquerda para a direita) From A Place To Hide series (temporary shelter, London, 2006)_Impressão cromogênica_52 x 34 cm ; Hide nº15, 2009_Acrílica sobre tela_33 x 24 cm_(Zabludowicz Collection)

(da esquerda para a direita) Observation Model nº1; Observation Model nº4; Observation Model nº2; 2012_Impressão cromogénica diasec_30 x 30 cm