
Lo que nos hizo moderno, 2014. Óleo sobre tela. Dimensões variáveis (10 peças de 120 x 80 cm cada). Vista da exposição O Que Nos Fez Modernos / Imagens Nítidas em Ambientes Úmidos na Galeria Leme, São Paulo, Brasil. Foto: Filipe Berndt

Lo que nos hizo moderno, 2014. Óleo sobre tela. Dimensões variáveis (10 peças de 120 x 80 cm cada). Detalhe. Exposição O Que Nos Fez Modernos / Imagens Nítidas em Ambientes Úmidos na Galeria Leme, São Paulo, Brasil. Foto: Antoine Henry-Jonquères
Apesar de firmemente ancorada na pintura, a obra de Sandra Gamarra parece constantemente contradizer e subverter aquilo que é esperado deste suporte bidimensional que muitos consideram ultrapassado e esvaziado. Para a artista, expor as suas peças é apenas o ponto de partida para ressignificar o formato em que trabalha e o espaço em que a sua obra é experienciada. Em suas exposições é difícil discernir a parte do todo. A articulação dos elementos e a semântica da exposição formam uma espécie de meta-composição muito à semelhança de uma instalação. Por outro lado, o seu trabalho frequentemente se camufla e se dissimula no espaço que o contém, originando uma contaminação recíproca que evidencia que a obra e o seu contexto físico e institucional não podem ser lidos independentemente.
O momento de encontro entre obra e espectador é algo que a artista tem explorado e decorre de um interesse maior sobre a relação do homem com os símbolos aos quais o imaginário coletivo conferiu valor e legitimidade, tais como as obras de arte. Para Gamarra, contemplar a arte, antes de qualquer realidade política ou filosófica, é um ato de fé. Transcende a religião e se insere num conjunto de sistemas culturais e de crenças que institui os signos e ritos que relacionam a humanidade com a sua espiritualidade e seus valores morais, seja através da adoração religiosa ou da experiência cultural.
A crença no poder transformador da arte está diretamente ligada a qualidades que historicamente têm caracterizado o objeto artístico, tais como a sua autenticidade e unicidade, características que lhe atribuem uma aura a ser cultuada. Se por um lado, a feitura manual dos trabalhos de Sandra Gamarra reitera esta noção tradicional de obra-de-arte garantindo a irrepetibilidade e originalidade de suas peças, por outro lado, o seu recorte temático e o seu uso e apropriação de imagens existentes, dessacralizam a aura desse objeto colocando-o num limbo entre autenticidade e cópia. O que desestabiliza também a maneira como o público apreende o contexto físico e institucional onde o trabalho é exposto.
Um dos melhores exemplos desta estratégia é o seu museu fictício, o LiMac- Museu de Arte Contemporânea de Lima (http://li-mac.org/), cujo acervo é composto por cópias pintadas por Gamarra de obras de outros artistas, de catálogos de exposições, de souvenirs, entre outros. Com um projeto arquitetônico que propositadamente nunca saiu do papel e com inúmeras coleções e exposições disponíveis online, o LiMac não é apenas uma resposta à falta de instituições culturais em Lima mas também um reflexo crítico de uma grande cultura/economia de marcas falsificadas existente no Peru desde os anos 60/70, resultado da escassez de mercadorias importadas. Logo, este museu-porvir não é somente um gesto na linha da Crítica Institucional mas também um reflexo crítico da distância entre o centro e a periferia global, que resulta num constante “atraso” na chegada de ideias, movimentos e produtos aos países marginais.
Estas importações tardias, entre elas as obras-de-arte, acabam sendo experienciadas como cópias ou reproduções readaptadas e incompletas, já que são destituídas da aura do objeto original. Através de seu método de apropriação de imagens já existentes, a artista afirma essa incompletude e subverte a observação fetichista da obra de arte. De tal forma, não só questiona o relacionamento entre fabricante, trabalho, espectador e o espaço onde eles se encontram, mas também os mecanismos do mundo da arte, as suas instituições, o seu mercado e o processo criativo que os alimenta.
O viés crítico da obra de Gamarra não é um fim em si mesmo mas um efeito colateral de uma complexa síntese de interesses, narrativas e conceitos interconectados. O seu trabalho e pesquisa jogam com a justaposição de diferentes tempos e noções de História, história da arte, autobiografia e imaginação como meio para reconsiderar um conjunto de relações sócio-políticas responsáveis pela formação do corpo social e pela estruturação física do espaço que lhe corresponde. Neste aspecto a sua obra é eminentemente urbana. Para compreendê-la é necessário transcender o espaço expositivo e colocá-la em fricção com o contexto sócio-espacial que habitamos.
Bruno de Almeida | 2016.08.23

Yacimiento III, 2015. Folha de ouro falsa sobre tela (201 x 162 cm), óleo sobre folha de ouro falso sobre tela, espelhos, Dimensões variáveis. / Mural, 2015. Folha de ouro falso sobre tela e óleo sobre Folha de ouro falso sobre parede, 201 x 162 cm cada. Fotos: Juan Pablo Murrugarra

Piece of Gallery IV, 2013. Óleo sobre tela e vídeo HD. Dimensões variáveis. Vista da instalação na exposição Blanca, Galería Juana de Aizpuru, Madri, Espanha. Foto: Oak Taylor-Smith

Blanca II, 2013. Óleo sobre tela. 310 x 175 cm cada. Vista da instalação na exposição Blanca, Galería Juana de Aizpuru, Madri, Espanha. Foto: Oak Taylor-Smith

LiMac em Guimarães, 2012. // Os visitantes da exposição “Você Está Aqui” são guiados por um mapa especialmente concebido para encontrar pinturas instaladas na cidade de Guimarães, Portugal. Os locais não são cubos brancos ou galerias, mas lugares de passagem, tais como lojas, livrarias, bares, associações ou locais de lazer. As pinturas exibem situações que ocorreram na cidade e os eventos culturais para a Capital Europeia da Cultura e foram disseminadas em espaços específicos.

LiMAC na 29ª Bienal de São Paulo, 2010. Foto: Ding Musa. // Após ter o pedido de empréstimo da série October 18, 1977, do artista alemão Gerard Richter, recusado pelo MoMA (Nova York), a curadoria da Bienal convidou o LiMac e Sandra Gamarra para pintar cópias que pudessem substituir as obras de Richter. A série original, bem como sua reprodução parcialmente exposta nesta sala, é composta por quinze pinturas que recriam as imagens de membros do grupo terrorista Baader-Meinhof em meados da década de 1970, quando estavam sob a guarda do Estado alemão e foram encontrados mortos em suas celas. O processo utilizado por Gamarra para fazer suas pinturas, tomando como fonte o catálogo publlicado pelo MoMA, ecoa ainda aquele utilizado por Richter, que fez suas pinturas a partir de fotografias publicadas em jornais e revistas.
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